Rheta DeVries / Betty Zan
Tradução: Ana Angélica Júlio
 

Toda classe tem uma atmosfera (ambiente) sociomoral que tanto pode impedir como promover o desenvolvimento da criança.Os seguintes relatos mostram-nos classes nas quais os professores promoveram certas atitudes diferenciadas através de regras, criando-se então ambientes diferentes nas classes.

Classe 1 (Jardim de Infância)

O professor vai em direção à porta conversando com outro adulto que vem ao seu encontro. As crianças estão sentadas num semicírculo, esperando pelo retorno do professor. Algumas crianças estavam “lutando” umas com as outras – batendo, chutando e gritando entre elas – enquanto outras estavam pedindo para que parassem. Uma criança levanta para contar para o professor. O Professor então, retorna.

Professor: -Ok, parem. Leanne, você poderia se sentar? – Todos erguem seus olhos (a voz do professor aumenta) – Olhem aqui, agora!
Jamal (uma outra criança): –Saia.
Professor: Não! Você senta-se aí onde você está. Cruze as pernas, e se você quiser fazer biquinho, Jamal, está bem, vá em frente e faça. (Jamal olha furioso). Agora, eu não estou contente com o comportamento de vocês hoje. Odete, olhe para mim! Eu não estou contente.
Quando eu virei-me para conversar com o outro professor, vocês sabiam o que vocês deveriam fazer e o que vocês não deveriam fazer, Sandra, e você, você não deveria estar lá (Sandra olha furiosa). Você está aqui próxima a Linda brigando com ela. Você não deveria estar conversando enquanto eu estiver falando com alguém. Você não deveria estar conversando enquanto eu estou falando, Sandra. E você não deveria tocar em mais ninguém.
Nós vamos rever estas regras de novo.
(aponta para um quadro com algumas regras escritas)
N. 1: “Falar em voz baixa” – Vocês todos estavam falando alto. Vocês deveriam usar um tom de voz mais baixo o tempo todo, quando estiverem em seus lugares, quando estiverem respondendo-me algo, quando eu disser a vocês na hora do lanche, que vocês podem conversar um com o outro, sempre em voz baixa.
Jamal, se você vai continuar com esse “biquinho” é melhor que você volte para o seu lugar e olhe para mim. Volte, ao menos que você queira ir onde o David estava.
(a sala para ser disciplinado)
N. 2: “Levantar a mão para falar”. Eu vi alguma mão no ar? Vi? Não. Não havia nenhuma mão no ar.
N. 3: “Mantenham suas mãos, pés e objetos com vocês mesmos”. –Eu vi mais tapas, socos e chutes hoje do que vou ver no resto do ano. Sara, qual é o problema?
Sara: (reclamando) Enquanto isso, Nicole vai se retirando…
Professor: – Nicole pare e não se movimente. Finja-se de estátua. Você não se move. Você não toca nela (em Sara), seu cotovelo não deve tocar nela. Desta maneira todos ficarão contentes. (Volta-se então, para outra criança) – O que há?
Jason: –Posso ler a regra 4 ?
Professor: –Não. Eu lerei a regra 4, obrigado. N. 4 é “Trabalhe em silêncio”. Que também significa sentar-se silenciosamente. Isto é, quando eu estiver conversando, vocês devem estar quietos. Agora, o resto do dia nós vamos praticar estas regras perfeitamente. Eu não quero ouvir ninguém falar, sem levantar a mão. Eu não quero ver ninguém tocando no outro. Agora, olhem para mim.Jamal,você continua com “biquinho”, olhe para mim e sente-se com as pernas no estilo Indiano. Agora, continuemos com nossa lição sobre a “Fazenda”. (o professor continua com a lição que havia interrompido)
 
 
 

Classe 2 (Pré)

O professor e as crianças reuniram-se em círculo numa manhã. O professor trouxe com ele a lista de regras que as crianças tinham ditado para ele uma semana antes.

Professor: – Antes de nós começarmos com nosso círculo essa manhã, vocês se recordam o que é isto? Estas regras?
Carlos: –Não.
Professor: Estas são as regras que vocês falaram para mim. Vocês falaram-me as palavras e eu as escrevi. Elas dizem sobre como nós queremos ser tratados em nossa classe. Vocês se lembram disso? Alguns de nós ferimos os sentimentos ou o corpo dos outros e então, escrevemos essas palavras para que soubéssemos como ser amigos na classe. Vocês se recordam sobre o que elas são?
Nancy: As regras dizem que nós podemos fazer as crianças ficarem felizes, se as seguirmos.
Professor: É exatamente isto. Vamos ler as regras de novo, então, poderemos lembrar sobre o que elas são. (aponta para as regras escritas) Esta é sobre “Chamar os amigos pelo nome”
Greg : –Essa é da Nan (significa que foi uma regra sugerida por ela)
Professor: –Então, as pessoas querem ser chamadas pelos seus próprios nomes. Ok.
Nancy: – Zina não me chamou pelo meu nome.
Professor: “Usem as suas palavras. E se as palavras não funcionam, vocês vêem até o professor”. Se as palavras não funcionarem, vocês podem beliscar o colega e então, chamar o professor?
Crianças: Não!
Professor: – Donald, se suas palavras não funcionam e alguém chuta você, você vai chutá-lo de volta?
Donald: –Não, eu não o chuto de volta.
Professor: – O que você faz?
Hank : –Vai e conta ao professor.
Donald: – Você sabe o que aconteceu lá fora hoje? O Ben jogou areia em minha boca.
Professor: É verdade ? O que você fez?
Donald: – Eu contei ao professor.
Professor: -O professor ajudou-o na conversa com Ben?
Donald: -Sim.
Professor: –Isto é importante. Esta outra regra diz “mãos amigáveis e palavras amigáveis”. –Então, devemos usá-las. Vocês sabem o que nós podemos fazer? Nós podemos praticar “mãos amigáveis”.
Greg : – O que é isso?
Professor: Você cruza suas mãos assim. (demonstra) Agora pegue a mão de alguém próximo a você. (todos eles unem as mãos em um círculo) Agora se cumprimentem. Apenas cumprimentem-se. Isto é o maior aperto de mãos.
Professor: – Ok, Agora esta regra diz, “Não bater”
Wally : – Eu fiz essa ! (significa que ele que sugeriu esta regra)
Professor: – Vocês se lembram desta regra?
Crianças: –Sim!
Professor: – O que você acha ? Você acha que nós podemos nos lembrar delas na hora de brincar e na hora das atividades?
Crianças: – Sim!
Apresentamos estas duas diferentes propostas para ajudar as crianças a recordarem-se das regras, assim como refletirem dentro de um ambiente sociomoral que influencia o desenvolvimento das crianças de diferentes maneiras.

O que nós entendemos por “ambiente sociomoral”?

Nos referimos ao ambiente sociomoral como uma completa rede de relações interpessoais numa sala de aula. Isto inclui o relacionamento das crianças com o professor, com outras crianças, com outros professores e com as regras. Em nosso livro mais recente, Moral Classrooms, Moral Children (De Vries & Zan, 1994), nós descrevemos a proposta construtivista da educação moral e social, exemplificado no relato do segundo professor.

Educação construtivista é uma proposta desenvolvimentista apropriada para educação infantil inspirada na teoria de Piaget segundo a qual a criança constrói seu conhecimento, inteligência, personalidade, valores morais e sociais. Esta proposta tem sido definida em termos de atividades que apelam para o interesse das crianças, encorajando-as em direção a experimentos no mundo físico, e promovendo uma perspectiva de cooperação no mundo social (De Vries & Kohlberg, 1987/1990). Portanto, educação construtivista não é apenas uma seqüência ou um conjunto de atividades. A educação construtivista em seu aspecto essencial é mais do que atividades, materiais e organização de classes.

O primeiro princípio de educação construtivista é que um ambiente sociomoral deve ser cultivado no qual o respeito pelo outro é continuamente praticado. Neste sentido, a educação construtivista é uma proposta tanto moral como intelectual. Algumas pessoas sentem que a escola não deveria se envolver com a educação moral, mas, deveria focalizar-se somente no ensino acadêmico ou promover o desenvolvimento intelectual.

O problema com este ponto de vista é que as escolas “tratam” com o desenvolvimento moral, querendo ou não.

Professores não podem evitar “mensagens de comunicação moral”, como eles lutam com as regras, com o comportamento e proporcionam informação sobre o que é bom ou mal. O professor construtivista cria um ambiente cooperativo-sociomoral conduzindo o trabalho de grupo, usando alternativas cooperativas de disciplina, lidando com conflitos, proporcionando a hora da atividade, atraindo as crianças para a questão da limpeza, etc…

Relacionamento professor-criança

As salas construtivistas são caracterizadas pelo mútuo respeito entre professor e criança. Este é o contraste com a maioria das salas comuns onde se espera o respeito somente de um lado, isto é espera-se somente o respeito para com o professor. Este respeito mútuo pode ser discutido em termos particulares, um tipo único de relacionamento professor-criança que é essencial para uma sala construtivista.

O relacionamento professor-aluno vem através da distinção de Piaget (1932) entre dois tipos de moralidade correspondentes a dois tipos de relacionamento adulto-criança, um que promove o desenvolvimento da criança e outro que retarda.

1. O primeiro tipo de moralidade é a moralidade de obediência

Piaget chamou de moralidade “heterônoma” como aquilo que segue regras feitas pelos outros. Portanto, o indivíduo que é “heteronomamente moral” segue regras feitas por outros – simplesmente aceitando, conformando-se e seguindo regras externas sem questionar.

2. O segundo tipo de moralidade é “autonomia”

Por autonomia, Piaget não quis dizer simplesmente “independência” em fazer coisas por ele mesmo sem ajuda. O indivíduo que é “autonomamente” moral segue regras por si só, regras que emergem fora dos sentimentos internos de necessidade de como tratar os outros.

Certamente a maioria dos educadores desenvolvimentistas não apóia a idéia da moralidade ser simplesmente baseada na obediência das crianças, mas querem crer que as crianças acreditariam com convicção nos valores morais básicos de respeito aos outros. Sem crenças que surjam da convicção pessoal, as crianças não estariam provavelmente seguindo regras de moral – especialmente na falta de alguma autoridade. Os educadores geralmente orientam as crianças por caminhos que promovam mais obediência do que autonomia. Em muitas escolas, o ambiente sociomoral exige que as crianças sejam submissas e conformadas, em detrimento da iniciativa, autonomia e pensamento reflexivo.

Professores construtivistas respeitam as crianças ao defender os direitos das mesmas através de seus sentimentos, idéias e opiniões. Eles usam de sua autoridade seletivamente e abstém-se de usar seu poder desnecessariamente. Desta forma, eles dão às crianças a oportunidade de desenvolver suas personalidades tendo autoconfiança, respeito por si e pelos outros, questionando e criando idéias.

Hora do grupo (grouptime)

Para muitos professores, a hora do grupo pode ser a hora de maior desafio do dia. Quando isso acontece sistematicamente, todos percebem um lado humanitário. As crianças participam das rotinas da classe, dividem seus sentimentos, descobertas e compromissos com o outro e tomam decisões que afetam suas vidas na classe. O professor deve exercitar sutilmente a liderança a fim de orientar esse processo. Sem liderança, o trabalho ou o “grouptime” pode rapidamente transformar-se em caos. Com muita liderança, o grouptime torna-se orientado somente pelo professor. O professor deve saber dosar sua liderança.

Fazendo regras e tomando decisões

Uma característica única da educação construtivista é aquela da responsabilidade para tomar decisões e dividi-las com os outros. Convidar as crianças a tomarem decisões e fazerem algumas regras é uma maneira do professor reduzir sua autoridade de adulto e promover a auto-regulação nas crianças. Crianças podem também expressar suas idéias de maneira clara e aceitável assim todos podem compreender e decidir se concordam ou não. As crianças têm a possibilidade de levar a perspectiva do grupo para toda comunidade.

Regras são uma parte sempre presente na experiência de cada criança na escola. Seja explicada e escrita ou verbal e implícita, as regras são uma parte necessária para a vida da classe. Se as experiências com regras servem para contribuir para o desenvolvimento moral e social, o professor deve considerar cuidadosamente como trabalhar com as crianças em relação às regras.

Os dois exemplos no início deste artigo tratam de regras na classe. O primeiro exemplo vêm de um vídeo cujos dados coletados fazem parte de um estudo de comparação de ambiente sociomoral e desenvolvimento sociomoral de crianças nas classes, refletindo diferentes teorias de aprendizagem e desenvolvimento (ver: De Vries, Haney e Zan,1991, para uma descrição completa do estudo). Nesta classe, as regras são relativas a maioria dos comportamentos, e o professor não discute as razões para estas regras.

O segundo exemplo foi de um vídeo com dados coletados da Escola-Laboratório de Desenvolvimento Humano na Universidade de Houston. Nesta classe, o foco do professor foi sobre as razões das regras baseadas na consideração de outros sentimentos. Na primeira classe, o professor escreveu todas as regras no início do ano e apresentou-as para as crianças. Na segunda classe, as crianças fizeram as regras em resposta aos problemas como “bater e respeitar o nome do colega chamando-o pelo mesmo”.

Como nós tentamos ilustrar com o segundo exemplo, não é necessário dar às crianças regras prontas. Com a orientação cuidadosa do professor, as crianças podem sugerir regras, contudo as regras podem não tomar a forma esperada pelo professor. Os acontecimentos dos quais se fazem as regras incluem a necessidade de orientações, para transformar a classe em um lugar feliz e necessário para se resolver problemas particulares da mesma (por exemplo: Quando algumas crianças acham injusto, outras não quererem ajudar na limpeza).

Nas discussões sobre as regras, o professor pode enfatizar as razões para a criação das mesmas. Quando as próprias crianças fazem suas regras em resposta aos problemas que elas experienciaram na classe, elas são mais propensas a tomar posse das mesmas. Elas estão também mais propensas a sentir necessidade de seguir essas regras, e dividir a responsabilidade em cumprir as mesmas com os outros.

As regras das crianças, quando possível, deveriam estar disponíveis na forma escrita (um livro de regras ilustrado pelas crianças, uma lista pendurada na parede, etc…) na classe. Assim, quando algum fracasso ocorrer, o professor construtivista pode referir-se as próprias regras que as crianças tenham feito e enfatizar que a autoridade moral da classe não vem do professor, mas das próprias crianças.

Quando os professores oferecem às crianças oportunidades delas certificarem-se das decisões sobre o que acontece em suas classes (por exemplo, qual de dois livros ler, aonde ir numa saída a campo, ou que comida servir para uma festa na classe), as crianças têm noção de comunidade e dividem as responsabilidades nas mesmas.
 
 
 

Votação

Quando as opiniões das crianças divergem sobre decisões a serem tomadas, o professor pode introduzir o voto às crianças. Votar oferece excelentes oportunidades para as crianças mudarem e defenderem pontos de vista, ouvindo o ponto de vista dos outros, e decidindo temas com justiça. (o professor verá no voto numerosas oportunidades para lições de linguagem oral e escrita, assim como na matemática). Através de muitas experiências com o voto, (mesmo com crianças de 4 anos) pode-se eventualmente construir a idéia de igualdade de como elas vêem a opinião de cada pessoa de forma válida e dada com o mesmo peso no processo de tomar decisões.

Votar pode ser conduzir em vários caminhos, mas nós não aconselhamos  pedir as crianças mais novas para erguerem as mãos. Este método apresenta numerosos problemas. Geralmente as crianças cansam de permanecer com as mãos para cima, então as mãos pendem e o professor tenta persuadir as crianças a permanecerem com suas mãos erguidas até que ele ou ela possa dar sua opinião. Muitas crianças que não compreendem totalmente o processo podem votar em toda opinião que foi dada, provocando assim, as outras crianças a reclamarem que não é justo que algumas votem mais de uma vez.

Finalmente, quando o professor conta as mãos, as crianças nunca estão certas que suas mãos foram vistas e contadas. Em suma, as crianças têm dificuldade em seguir o processo, e muito do valor do voto é perdido. O professor deveria escolher um processo de votar que as crianças possam seguir e compreender, tal como sondar junto às crianças, indo sistematicamente ao redor da sala e escrevendo o nome de cada criança abaixo da escolha, ou permitindo que as crianças usem papéis em forma de cédulas.

Discussões sobre o dilema moral e social

O trabalho em grupo (grouptime) oferece oportunidades para o professor instigar o raciocínio moral das crianças e assim, conduzi-las para discussões sociais e morais. A vida diária na classe freqüentemente proporciona material para discussões, quando algo acontece ou quando a criança acredita que algo não é justo.

A literatura infantil pode proporcionar material para discussão de dilemas morais e sociais. Por exemplo: Dr. DeSoto de William Steig (1982), o rato dentista (Dr. DeSoto) que tem pena de uma raposa com dor de dente, mesmo que sua política não fosse tratar de gatos ou outros animais perigosos para os ratos. A raposa claramente planejou comer o Dr. DeSoto e sua esposa, mas a esperteza do rato fez com que ele enganasse a raposa usando uma “fórmula secreta” colando os dentes da raposa e dizendo-lhe que isto preveniria futuras dores de dente. Ao discutir essa situação, o professor pode alcançar a questão de que se é legal o rato enganar a raposa colando-lhe os dentes.

Quando conduzimos as discussões morais através de estórias com crianças de quatro e cinco anos, nós observamos que a maioria das crianças defenderá o rato. Contudo, uma criança vê a perspectiva da raposa, e preocupada com sua boca colada diz que a raposa morrerá de fome. Nós também observamos uma outra criança com mais de quatro anos que concordou com o fato do rato colar a boca da raposa, já que se a raposa comesse o rato não haveria ninguém para consertar os dentes dos outros ! Este tipo de experiência contribui especialmente na construção do julgamento moral.

Alternativas cooperativas para disciplina

A proposta construtivista para “disciplina” não consiste em controlar e punir as crianças a fim de socializá-las. Até certo ponto, nós trabalhamos com as crianças e como elas gradualmente descobrem como respeitar os outros de maneira mútua. Isto não significa que os professores são permissivos e as crianças indisciplinadas. Pelo contrário! Os professores construtivistas são totalmente ativos na busca por alternativas de disciplinas que enfatizem as conseqüências naturais e lógicas de uma má ação e o resultado na quebra do compromisso social. Quando um objeto é quebrado, alguns são privados do seu uso e podem ficar bravos ou tristes. Quando possível, à pessoa que quebrou o objeto é dada uma oportunidade de fazer a restituição para reparar ou recolocar o objeto. Quando alguém mente, outros sentem que não podem confiar naquele que contou a mentira. O rompimento no compromisso social então requer reparos. As crianças devem valorizar esses compromissos sociais a fim de querer repará-los. Isto se torna próximo, tratando-se de relacionamentos entre crianças, assim como entre criança e professor, é um componente integral da atmosfera sociomoral construtivista.

O conflito e sua resolução

Conflitos são inevitáveis numa classe onde as crianças interagem livremente. Mais do que tentar prevenir conflitos, a professora construtivista usa o conflito com as crianças na interação com a classe, como oportunidade de ajudar as crianças a reconhecerem as perspectivas dos outros e assim aprenderem a desenvolver soluções que são aceitáveis para todas as partes. Os professores podem ajudar na solução dos conflitos das crianças ao falar sobre o problema nos termos que a criança possa entender, ajudar as crianças a verbalizar sentimentos e desejos para com os outros e ouvir um ao outro, além de convidar as crianças a sugerirem soluções. Esses princípios são ilustrados no seguinte exemplo:

Nós podemos ajudar as crianças a resolver  problemas sociais

Heitor colocou uma pequena escada em direção ao buraco da caixa de correio com um pequeno saco de bater como alvo. Marcel não quis a escada lá.

Professor: Desculpe-me. Eu não posso ouvir suas palavras. Você pode falar de novo?
Heitor: (resmunga de modo inaudível)
Professor: Oh, então fazer isto é mais excitante, foi você que colocou aquilo lá? É mais difícil jogar lá ou mais fácil?
Heitor: (Inaudível)
Professor: Bem, Marcel, você acha que seria uma forma divertida de jogar com isto?
Marcel: (Inaudível)
Professor: Ok, Hector disse que é muito divertido para ele.
Marcel: Isto é ruim.
Professor: Bem, porque você não fala com Heitor sobre isto. O que você gostaria de falar com ele sobre isto?
Marcel: Eu não sei.
Professor: Bem, o que você acha que nós deveríamos fazer, já que Heitor gosta de jogar com isto desta forma?
Marcel: (ele encolhe os ombros e diz algo inaudível)
Professor: Heitor, Heitor você sabe o que? (senta-se no chão ao lado de Heitor). Eu acho que nós temos um problema. Você sabe qual é este problema? (Heitor continua a jogar em direção a escada e não parece estar escutando). Heitor, você pode ouvir minhas palavras? Eu entendo que você gostaria de jogar com isto (pega a escada). Marcel disse que ele não gostaria de jogar com isto. Então o que vocês deveriam fazer garotos?
Heitor: Eu quero jogar com ele… (quase inaudível)
Professor: Marcel, você pode ouvir a idéia dele? Qual é a sua idéia, Heitor?
Marcel: (inaudível)
Professor: Você ouviu a idéia dele?
Marcel: Uhmm…Só depois de tirarmos a escada...(quase inaudível)
Professor: Heitor, você pode ouvir a idéia de Marcel?
Heitor: Sim…
Professor : Vamos escutá-la de novo. Qual é sua idéia, Marcel?
Marcel: Eu disse.
Heitor: (joga a bola, parece não estar ouvindo ou prestando atenção)
Professor: Heitor, vamos escutar a idéia de Marcel já que ele tinha uma. (o professor pega a bola também). Heitor, nós pararemos apenas um minuto com a bola, então poderemos ouvir uma outra idéia. Qual era a outra idéia, Marcel?
Marcel: Depois que você parar com isso, então poderemos conversar de novo.
Professor: Ok, isso parece uma boa idéia?
Heitor: Não, eu quero continuar fazendo isso…
Professor: Hector quer fazer isso agora mesmo.
Marcel: Bem, ele pode jogar por mais dois segundos com aquela coisa vermelha (aponta para a escada) e então eu irei (aponta para o buraco da caixa de correio e para a escada). Bem, talvez nós possamos dividir, eu não sei…
Professor: Talvez eu pudesse dividir? Você acha que eu poderia dividir, Heitor?
Heitor: (resmunga quase inaudível)
Professor: Ok, garotos! Vocês sabem, que quando vocês fazem uma tentativa, eu consigo saber se precisam de alguma ajuda ou não, mas eu aposto que vocês podem descobrir isso sozinhos também (uma vez observada a atitude cooperativa das crianças, e sentindo que as mesmas podem trabalhar juntos, ela parte).
Hector e Marcel conseguiram voltar a jogar juntos, arremessando a bola no buraco da caixa de correio com a ajuda de uma escada. Marcel aceita a escada apoiada na direção do buraco.
 
 
Nós reconhecemos que a resolução do conflito não é única para a educação construtivista. Contudo, a perspectiva construtivista pode ser única em aceitar o conflito e sua resolução como parte importante do currículo e não apenas ver o conflito como um problema a ser controlado. O trabalho de Piaget leva a reconhecer que a resolução do conflito não é apenas uma técnica, mas, que sofre uma mudança no desenvolvimento, envolvendo reconhecer e descobrir como reconciliar diferentes pontos de vista.

Tempo de atividade

Tempo de atividade (ou tempo central) é talvez o mais importante período do dia na sala construtivista. O objetivo do tempo de atividade na sala construtivista é que as crianças estejam intelectualmente, socialmente e moralmente ativas, e mais e mais autocontroladas. Por exemplo, numa atividade de afundar e flutuar, o professor construtivista pede a criança para refletir sobre porque alguns objetos afundam e outros flutuam, encoraja as crianças a considerar as opiniões contraditórias, e sustenta a busca para o conhecimento através da observação e experimentação.

No decorrer do agir sobre os objetos e discutir resultados, as crianças “lêem” os resultados de uma experiência e têm a oportunidade de aceitá-los mesmo se eles predizem algo diferente. O professor também pede as crianças para refletirem sobre como voltar na atividade, ajudá-os a tornarem-se conscientes que muitas outras crianças querem este privilégio ao mesmo tempo, e sugere que eles tentem descobrir formas de satisfazer a todos. Quando os professores construtivistas recusam-se em ser autoritários, eles abrem uma nova forma das crianças lutarem com suas próprias questões e não confiarem unicamente nos adultos como guia.

As atividades colocadas em classe associadas com a proposta de desenvolvimento da criança na primeira infância inclui o jogo da imitação, de construir e outras atividades de construção, artes, leitura e escrita. Outras atividades únicas para construir a educação são jogos em grupo (Kamii & De Vries, 1980) e atividades de conhecimento físico (Kamii & DeVries, 1978/1993). Nas salas construtivistas, as atividades são planejadas com o interesse das crianças, e as crianças são regularmente consultadas sobre o que elas querem saber e fazer. Novas oportunidades podem ser introduzidas na hora do grupo, com sugestões sobre possíveis objetivos que as crianças podem querer exercer. –Lembra o que você disse que queria aprender sobre as bolhas? Eu ponho um pouco de sabão e água num lugar que se possa sujar, então você pode experimentar e descobrir como fazer a mágica de formar boas bolhas de sabão.

O professor construtivista permite as crianças escolherem livremente suas atividades e colegas. Intervindo com moderação enquanto permite que as crianças exercitem a iniciativa, o professor avalia o raciocínio das crianças e dedica-se em encorajá-las a testarem suas próprias idéias. –Que tipo de forma você acha que seu quadrado mágico formará ?

A interação é encorajada ao enfatizar-se a ajuda a outras crianças, fazendo-se negociações quando houver tensões e dividindo-se experiências.

 

Hora da limpeza

Alguns professores da primeira infância consideram a hora da limpeza como uma das mais difíceis horas do dia e resolvem esse tipo de problema, fazendo toda a limpeza eles mesmos. Contudo, os professores construtivistas utilizam-se da hora da limpeza para promover o desenvolvimento dos sentimentos de responsabilidade nas crianças. Por encorajar as crianças a ter responsabilidade em cuidar da própria classe, os professores reduzem sua autoridade e retomam a autoridade moral sobre as crianças, deste modo promovem o desenvolvimento de auto-regulação. Problemas com a limpeza inevitavelmente proporcionam oportunidades para os professores dirigirem discussões que ajudam as crianças refletirem sobre as razões práticas e morais da limpeza. “Ninguém nota que algumas crianças ficam apenas caminhando ao redor da classe durante o tempo da limpeza ? Ninguém tem alguma idéia sobre o que deveria ser feito na hora da limpeza ?”

Conteúdos

A falsa concepção sobre educação construtivista é que, se a mesma inclui o jogo, não inclui conteúdos. De fato, os professores construtivistas são seriamente preocupados com a construção do conhecimento das crianças sobre alfabetização, numeração, ciência, estudos sociais e artes. Nós queremos enfatizar que os conteúdos nas classes construtivistas ocorrem no contexto da atmosfera sociomoral que nós descrevemos aqui. Não é possível compreender a proposta construtivista dos conteúdos sem primeiro compreender o construtivismo na atmosfera sociomoral.

O problema para o professor construtivista em propor algum conteúdo acadêmico é distinguir o que deve ser construído e o que deve ser instruído. A distinção de Piaget entre três tipos de conhecimento ajuda o professor a fazer essa distinção. Quando um tópico envolve conhecimento de objeto físico (por exemplo, quais objetos flutuam ou afundam) o professor encoraja as crianças a agir sobre objetos e refletir sobre as reações. Quando um tópico é arbitrário ou convencional (tal como o Natal que é dia 25 de dezembro e que a letra “A” é chamada de “a”), o professor não hesita em informar as crianças. Como todo conteúdo envolve conhecimento lógico-matemático, o professor encoraja as crianças a colocarem coisas em relações (por exemplo, quais objetos pesados parecem afundar e quais objetos leves parecem flutuar – mas nem sempre), faz comparações e generalizações, além de testar as hipóteses das crianças.

Talvez a característica mais distinta de uma proposta construtivista para com os conteúdos seja o respeito aos erros das crianças. Isto resulta no sentimento livre das crianças ao expressarem o raciocínio sem medo de errar. O professor construtivista aceita o erro da criança ou parcialmente corrige idéias, sendo isso necessário para o processo construtivo que acaba eventualmente (mas não significa imediatamente) em corrigir o conhecimento. Por exemplo, quando uma criança de 4 ou 5 anos insiste que os pontos num dado estarão visíveis na sombra, o professor sabe que a criança não está convencida de ter dito isso. O professor assim isenta-se em corrigir a criança, e ao invés disso cria oportunidades para a criança experimentar e descobrir através da observação da sombra do dado.

Igualmente, o professor pode observar a criança fazendo um erro lógico quando contando espaços num tabuleiro de jogo. Isto é, a criança rola o dado e conta como “1” o espaço ocupado sobre o qual ele ou ela lançou na vez anterior. Reconhecendo que a criança está convencida da exatidão de sua estratégia, o professor isenta-se em corrigir a contagem da criança. O professor construtivista prefere proporcionar as crianças um dado com somente um ou dois pontos, e então a criança contará “1” e assim por diante…Um sentimento de contradição dirigirá a criança eventualmente para corrigir a própria lógica dele ou dela.

Criando situações ativas

A integração construtivista dos conteúdos envolve a criação de situações ativas nas quais as crianças exercem seus próprios interesses e objetivos. Como Dewey (1913/1975) mostrou-nos quase um século atrás (e provavelmente a maioria das pessoas podem atestar em suas vidas no dia a dia), as pessoas sempre investem mais tempo, energia e atenção no que lhes é de interesse. Quando um objetivo de uma criança é jogar um certo jogo, há o interesse em ler as regras, contar e escrever palavras e numerais espontaneamente. Quando as crianças querem cozinhar, elas são inspiradas em tentar descobrir o que a receita diz.

As crianças são mais ativas mentalmente quando elas são fisicamente ativas em tentar descobrir como fazer algo. As atividades do conhecimento físico envolvem movimento de objetos (física elementar) e mudança dos objetos (química elementar) inspira as crianças a construírem conhecimento sobre o mundo físico. Por ex. usar uma bola com um barbante para bater num alvo (como um pêndulo) inspira as crianças a construírem o conhecimento sobre o espaço e as relações causais. –Você acha que eu posso bater contra o alvo se eu puser isto aqui (fora do alcance do pêndulo)?

O fato de experimentar como usar diferentes quantidades de farinha, água e óleo ao fazer massa de modelar, inspira as crianças a construírem o conhecimento sobre a influência de cada substância na consistência da massa de modelar. -O que você pode adicionar para fazer sua massa de modelar menos mole?

Promovendo a interação social

A proposta construtivista dos conteúdos também envolve promover a integração social através de conteúdos específicos. A vida social é preenchida com necessidades de comunicação. Ler e escrever numerais, contar e calcular são necessários numa variedade de atividades. As crianças podem escrever os nomes e preços de itens num menu para um restaurante, acrescentar números quando marcando pontos num jogo (em jogos de grupo tais como boliche), e aprender a escrever os nomes uns dos outros.

Enfatizando auto-regulação e reflexão

A proposta construtivista dos conteúdos enfatiza a auto-regulação e a reflexão que dirige para a compreensão, autoconfiança e uma atitude de questionar e avaliar de forma crítica. Isso motiva as crianças a pensarem sobre causas, implicações e explicações de fenômeno físico e lógico tanto quanto o fenômeno social e moral. Nós, contudo, vemos o desenvolvimento da moralidade e inteligência como interligadas e indagamos que a vida numa classe moral também promove o desenvolvimento intelectual das crianças. Nos precavemos, contudo, que é possível verificar uma atmosfera cooperativa sociomoral em atenção aos conteúdos. O melhor aprendizado de conteúdos é sustentado sobre uma estrutura de compreensão de como as crianças constroem o conhecimento.

Conclusão

Os princípios práticos de ensino discutidos neste artigo estão baseados em John Dewey e outros pioneiros da educação progressiva. Enquanto algumas atividades “sociomoral” não são inteiramente novas, a educação construtivista proporciona novos raciocínios e práticas sustentadas na pesquisa e na teoria. Com essa estrutura teórica, velhas atividades são enriquecidas e novas possibilidades emergem.

O tipo de atitude sociomoral que nós discutimos pode desenvolver-se muito cedo. As capacidades evidentes das crianças sugerem que educadores deveriam insistir nisso pelo menos para crianças na idade de 4 anos. Nossa pesquisa demonstra que crianças das salas caracterizadas de uma atmosfera sociomoral construtivista são mais avançadas no desenvolvimento sociomoral, resolvem mais os seus conflitos e desfrutam mais amigavelmente as interações com seus pares do que crianças vindas de classe de ambiente mais autoritário.

A única forma para nós vivermos juntos com sucesso como espécie humana é descobrir como tratar com diversidades de todo tipo. Se as crianças aprendem a fazer isso em seus pequenos grupos, talvez eles sejam capazes de expandir-se para grupos maiores em sociedade. Ao dar as crianças logo cedo oportunidades de competência de desenvolvimento sociomoral, nós podemos evitar o desenvolvimento de adultos que sabem somente como se submeter às regras. Ao promover desde cedo o desenvolvimento sociomoral das crianças, nós poderemos colocá-las no caminho para tornar-se o tipo de adulto que pode levar adiante as responsabilidades de cidadania democrática e trabalhar em igualdade nos relacionamentos humanos.

Texto original em inglês divulgado na página da autora na Internet traduzido:

http://www.uni.edu/coe/special-programs/regents-center-early-developmental-education